Bolsonaro inelegível?

Por: Alexandre A. Esteves – Advogado – Pós-graduado em Direito Tributário – Mestre em Direito Público

Muitos opositores e eleitores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) têm nos perguntado sobre a ação judicial que tramita perante o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e se ele realmente pode ficar inelegível para as próximas eleições presidenciais de 2026 e 2030.

Embora o mandato de Bolsonaro como Presidente da República (2019/2022) tenha sido cercado de ideologias e polêmicas que acabaram por contribuir para sua derrota nas urnas, não se pode desprezar a significância que o bolsonarismo ainda tem no cenário político brasileiro.

Sob esse prisma, torna-se atraente uma análise jurídica acerca do assunto, que desperta interesses deveras antagônicos de adeptos da esquerda e da direita e também de milhões de eleitores brasileiros apartidários, tanto em relação ao presente quanto ao futuro político de nosso país.

Registre-se, no entanto, que não se tem aqui a pretensão de se emitir qualquer juízo de valor em relação ao mérito da causa em julgamento, da qual não fazemos parte dos autos processuais e sobre os quais não nos debruçamos, mas tão somente buscar elucidar algumas questões de direito que ao longo dos anos estiveram no centro de controvérsias.

Pois bem, vamos tentar explicar de maneira bastante simples e didática as seguintes indagações:

Que tipo de ação Bolsonaro responde?

Em 19/08/2022 o Partido Democrático Trabalhista (PDT) ingressou no TSE com uma Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) em face de Jair Messias Bolsonaro e Walter Braga Netto (PL), os quais concorreram aos respectivos cargos eletivos de presidente e vice-presidente da República nas eleições gerais de 2022.

Na AIJE, autuada sob o n.º 0600814-85.2022.6.00.0000, a alegação do PDT é basicamente de que Bolsonaro teria abusado do poder de autoridade (ou político) ao convocar embaixadores e outras autoridades para uma reunião com viés político eleitoreiro, utilizando-se em horário de expediente de prédio público, servidores públicos e órgão de imprensa oficial para realização e transmissão da referida reunião em 18/07/2022. Durante o evento, Bolsonaro teria se valido da condição de Presidente da República para atacar sem provas o sistema eleitoral brasileiro e ministros que integram o TSE e o Supremo Tribunal Federal (STF).

De acordo com o PDT, Bolsonaro e Braga Netto visaram produzir conteúdo para descredibilizar o sistema eleitoral e incitar seus aliados políticos e eleitorais a propagar notícias falsas nos diversos meios de comunicação, o que, em tese, teria o condão de desequilibrar as eleições de 2022.

As defesas de Bolsonaro e Braga Netto negam, alegando, em síntese, que a reunião foi institucional e no sentido de aprimorar o sistema eleitoral brasileiro, que a conduta não configura abuso de poder e que eles não tiveram a intenção de influenciar nas eleições de 2022.

O Ministério Público Eleitoral opinou pela procedência da ação em relação a Bolsonaro e pela improcedência em relação a Braga Netto, isto é, na visão do MPE Bolsonaro deve ser condenado por abuso de poder de autoridade (ou político).

O julgamento teve início na data de ontem (22/06/2023), mas foi suspenso após a leitura do relatório pelo Corregedor-Geral Eleitoral e Relator do processo, Ministro Benedito Gonçalves. A retomada da sessão será na próxima terça-feira (27/06/2023)[1].

A AIJE proposta pelo PDT está prevista no art. 22 da Lei Complementar n.º 64/1990, que dispõe:

“Art. 22. Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político, obedecido o seguinte rito: (…)”

Pela dicção legal é possível observar algumas premissas, quais sejam: (i) o PDT possui legitimidade ativa para propor a ação; (ii) a via eleita (AIJE) está correta, pois o cerne da ação é a apuração de supostos atos de abuso de poder de autoridade (ou político) a partir de fatos notórios, a configurar indícios e circunstâncias minimamente autorizativas, em especial, por parte de Bolsonaro; (iii) que, em tese, seria o beneficiário dos atos ditos ilícitos[2]; (iv) a ação foi proposta perante o Juízo competente (TSE), após o registro de candidatura da chapa investigada, ou seja, dentro do prazo legal segundo a doutrina e a jurisprudência.

Presentes, ao nosso sentir, os pressupostos processuais que autorizam a análise de mérito da representação do PDT pelo plenário do TSE, a teor dos subsidiários artigos 17 e 330 do Código de Processo Civil.

O que seria então abuso de poder de autoridade (ou político) a ensejar uma possível consequência de tamanha proporção, a ponto mesmo de tornar-se um ex-presidente inelegível?

Segundo nos ensina Thélio Queiroz Farias, Roberto Jordão de Oliveira e Cláudio Lucena Neto[3], “o abuso de poder político ocorre quando agentes públicos se valem da condição funcional para beneficiar candidaturas (desvio de finalidade), violando a normalidade e a legitimidade das eleições”.

O fato de Bolsonaro ter perdido as eleições pode significar que não houve impacto da conduta no pleito eleitoral e, por conseguinte, afastar o abuso de poder de autoridade?

De acordo com a jurisprudência consolidada do TSE, o que importa para configurar o abuso de poder de autoridade (ou político) é a gravidade e a potencialidade do fato que fere a normalidade e causa desequilíbrio no pleito eleitoral. Assim, pouco importa se o candidato foi eleito ou não[4].

Imaginemos, porquanto, um prefeito que visando a sua candidatura à reeleição se vale do poder de seu cargo e determina que todas as publicidades institucionais nos meios de imprensa oficial tenham sua fotografia, seu nome e seu slogan de campanha estampados ou falados.

Imaginemos, ainda, que tal prefeito que estava bem atrás nas pesquisas eleitorais apresente um crescimento exponencial a ponto de quase empatar com o candidato eleito, mas que mesmo assim perdeu as eleições.

Notadamente o que vai ser apurado em sede de AIJE é se a conduta configura “uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social”, com potencial de desequilibrar o pleito.

Nessa situação hipotética, um dos indícios que não necessariamente precisa ser considerado é o crescimento exponencial do prefeito candidato durante o processo eleitoral. Outro, é a gravidade da conduta que fere a normalidade das eleições e desequilibra ilicitamente a disputa em relação a outros candidatos não favorecidos com essa conduta ilícita[5].

A partir de quando uma eventual condenação passa a surtir efeitos e até quando esses efeitos durariam?

Em primeiro lugar temos que ter em mente que se a ação for julgada procedente, o TSE declarará Bolsonaro inelegível por 8 (oito) anos subsequentes à eleição de 2022, a par do Inciso XIV, do art. 22 da Lei Complementar n.º 64/1990, podendo ainda “determinar a remessa dos autos ao Ministério Público Eleitoral, para instauração de processo disciplinar, se for o caso, e de ação penal, ordenando quaisquer outras providências que a espécie comportar”.

O TSE obviamente não irá cassar diploma de Bolsonaro, tendo em vista que ele não se elegeu. A cassação de registro normalmente consta da decisão, conquanto não necessariamente importe em algum efeito prático.

Mas o que tem sido objeto de indagação é o termo inicial e o termo final do prazo de inelegibilidade de 8 anos.

Esses termos sempre foram controvertidos na doutrina e jurisprudência ao longo dos anos, em que pese tratar-se de um dispositivo legal com mais de 30 anos.

Isso porque o prazo de inelegibilidade previsto nesse dispositivo legal era de 3 anos e foi aumentado para 8 anos, a partir das alterações introduzidas pela Lei Complementar n.º 135/2010 (Lei da Ficha Limpa), mas a exegese sobre a vigência manteve-se com o mesmo texto subjetivo: “cominando-lhes sanção de inelegibilidade para as eleições a se realizarem nos 8 (oito) anos subsequentes à eleição em que se verificou”.

Esses agora 8 anos começariam a contar da (i) data dos fatos? (ii) da data das eleições? (iii) da data da sentença ou acórdão originário que se “verificou” os fatos tidos como ilícitos? (iv) ou do trânsito em julgado da decisão, sobre a qual não cabe mais recursos?

Bebemos da fonte daqueles que sempre discordaram de contar esse prazo (para os casos previstos no caput do art. 22, da LC 64/1990) a partir da sentença ou do acórdão originário em que se verificou esses fatos ditos ilícitos ou, pior ainda, do trânsito em julgado dessas decisões.

Com efeito, fatos ocorridos em um pleito eleitoral podem levar anos para serem julgados, aliás, não raras as vezes os julgamentos de mérito ou dos recursos ocorrem após as eleições subsequentes. Por isso, não seria razoável e proporcional estender a mácula ao candidato para além do prazo de 8 anos, atualmente previsto como sanção.

Isso porque em ambiente de disputa eleitoral o simples fato de o candidato responder a uma ação judicial, que pode torná-lo inelegível, já traz consigo uma certa desconfiança do eleitorado, a ser explorada por adversários na disputa.

Assim, podemos dizer que se um processo levar de dois a quatro anos para ser julgado e depois sobrevier uma condenação, aquele candidato vai sofrer consequências por 10 ou 12 anos e não mais pelos 8 anos que o legislador previu. Neste caso, os efeitos da sanção também estariam distanciados do quadro político em que os fatos repercutiram.

Por outro lado, contar o início do prazo a partir da data do fato ou do último ato praticado em infrações continuadas também não entendemos como a melhor solução, pois a intenção e os efeitos dos ilícitos buscaram repercutir ou repercutiram nas eleições, as quais foram realizadas em data(s) determinada(s).

Somos favoráveis, portanto, ao entendimento firmado pelo TSE[6] no sentido de que o termo inicial do referido prazo é a data da eleição em único turno ou a data do 1º turno nas hipóteses em que houver 2º turno:

“Consulta. Inelegibilidade da alínea h do inciso I do art. 1º da LC nº 64/90. Contagem. Prazo. 1. O prazo da inelegibilidade prevista na alínea h do inciso I do art. 1º da LC nº 64/90 não se conta da decisão colegiada ou do trânsito em julgado da condenação por abuso do poder econômico ou político, mas, sim, da data da eleição, observando-se a regra do § 3º do art. 132 do Código Civil, verbis: ‘Os prazos de meses e anos expiram no dia de igual número do de início, ou no imediato, se faltar exata correspondência’. 2. A condenação por abuso do poder político ou econômico constitui requisito essencial para a caracterização da inelegibilidade prevista no art. 1°, inciso I, alínea h, da Lei Complementar 64/90. Porém, a data em que proferida a primeira decisão colegiada ou em que se deu o trânsito em julgado da decisão condenatória não deve ser considerada para a contagem do prazo de inelegibilidade, cujo termo inicial é a data da eleição em que verificado o abuso”.

Se, por um lado, o termo inicial da contagem do prazo de 8 anos é a data da eleição, de outro, a inelegibilidade se expira no dia de igual número do início em que o referido prazo decorreu e não exatamente na data da eleição deste último ano (C.C., art. 132, §3.º).

Por exemplo, se uma AIJE foi julgada procedente e culminou com a decretação de inelegibilidade de Fulano por abuso de poder econômico, de autoridade (político) e uso indevido de meios de comunicação durante o processo eleitoral de 2016, cuja eleição se realizou em 02/10/2016, independente da data de julgamento ou do trânsito em julgado, a inelegibilidade expirará em 02/10/2024, e não na data da eleição que será no primeiro domingo de outubro (06/10/2024).

Essa é uma causa superveniente que deve ser considerada na apreciação do registro de candidatura pelo Juízo Eleitoral, a teor da Súmula 70 do TSE[7]: “O encerramento do prazo de inelegibilidade antes do dia da eleição constitui fato superveniente que afasta a inelegibilidade, nos termos do art. 11, § 10, da Lei nº 9.504/97”.

E no caso de uma eventual condenação de Bolsonaro na AIJE proposta pelo PDT?

Vale a mesma regra, como o primeiro turno das eleições ocorreu em 02/10/2022, a inelegibilidade durará desta data até 02/10/2030. Neste caso, ele não estará inelegível para as eleições de 2030, pois o primeiro domingo de outubro é dia 06 (dia do primeiro turno das eleições).

No caso de condenação, se Bolsonaro recorrer ao STF a decisão do TSE ficaria suspensa?

Como o TSE é um órgão judicial colegiado, uma eventual condenação do ex-presidente surtirá efeitos a partir da data da publicação do julgamento, por incidir nesse caso as alterações introduzidas na LC 64/1990 pela Lei da Ficha Limpa (LC 135/2010).

Se no acórdão houver obscuridade, contradição ou omissão sobre qualquer ponto, poderá ser apresentado Embargos de Declaração pela defesa do ex-presidente no prazo de 3 dias, porém, a rigor, o manejo dessa peça não implica em efeito suspensivo da condenação e sim na interrupção para interposição de outros recursos, a teor do art. 275 do Código Eleitoral c/c os subsidiários artigos 1.026 e 1.067 do CPC.

De igual forma, a interposição de recurso ao STF, em regra, não suspende os efeitos da condenação pelo TSE, porém essa hipótese pode ser objeto de análise específica por parte do relator ou mesmo do colegiado de ambas as cortes.

A conclusão, por tudo que se viu, é de que Bolsonaro pode sim ficar inelegível tão logo seja publicado o acórdão do TSE, caso a AIJE do PDT seja julgada procedente. 

Observação: Após a publicação deste texto houve o julgamento da chapa pelo TSE e a AIJE em comento foi julgada procedente, por maioria de votos, em relação à Bolsonaro, que atualmente está inelegível.

[1] Fonte: Comunicação/Notícias TSE: https://www.tse.jus.br/comunicacao/noticias/2023/Junho/julgamento-da-acao-do-pdt-contra-bolsonaro-sera-retomado-na-terca-feira-27-c

[2] ZILIO, Rodrigo López. Direito Eleitoral, 5º edição. São Paulo, Editora Verbo Jurídico, 2016. p. 553.

[3] NETO, Cláudio Lucena; OLIVERA, Roberto Jordão de; FARIAS, Thélio Queiroz. Defesas Eleitorais. 1ª edição. São Paulo, CL EDIJUR, 2012, p. 64.

[4] TSE, Ac. de 17.3.2022 no AgR-REspEl nº 060004930, rel. Min. Benedito Gonçalves; (Ac. de 10.10.2019 no AgR-REspe nº 31222, rel. Min. Jorge Mussi.

[5] Como dito, para o TSE o que importa são as circunstâncias dos fatos em si, independente de qualquer implicação nas eleições, mas, em havendo implicação, tais fatos reforçam a gravidade do ato (REspe nº 198-47, rel. Min. Luciana Lóssio, DJE de 04/03/2015).

[6] TSE – Ac. de 24.6.2014 na Cta nº 13115, rel. Min. Henrique Neves.

[7] TSE, Código Eleitoral Anotado e Legislação Complementar: https://www.tse.jus.br/legislacao/codigo-eleitoral/sumulas/sumulas-do-tse

 

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